Com certeza nos últimos dias você foi impactado por alguma notícia referente a COP 28 que aconteceu em Dubai entre 30 de Novembro e 12 de Dezembro. A 28ª sessão da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), foi um marcante, polêmica e emblemática em diferentes pontos. Apesar de tudo isso, o encontro traz resultados que são importantes no contexto do enfrentamento da mudança do clima, e ao meu ver marca o "início do fim de uma era" modelada pelo uso de combustíveis fósseis.
Tive o prazer de participar alguns dias da Conferência nos Emirados Árabes e abaixo compartilho algumas reflexões sobre os principais takeaways do encontro:
Logo no início da COP 28, foi anunciado o acordo de um mecanismo financeiro dedicado para fazer face às perdas e danos causados pelas alterações climáticas nos países em desenvolvimento. Esse fundo reconhece o impacto desproporcional das alterações climáticas nas nações vulneráveis e a responsabilidade das nações desenvolvidas que contribuíram fortemente para o problema. O capital mobilizado ainda é pouco - menos de 0,2% das perdas econômicas e não econômicas irreversíveis que os países em desenvolvimento sofrem enfrentando o aquecimento global todos os anos, porém é um grande avanço frente a essa responsabilidade.
Mudança de foco no financiamento climático
A conferência mudou o foco das discussões sobre financiamento climático do simples cumprimento do compromisso anual de 100 Bilhões de dólares para garantir a qualidade e eficácia do financiamento. Foram abordadas as preocupações sobre a prevalência dos empréstimos e a necessidade de mecanismos mais equitativos, abrindo caminho para uma abordagem mais justa e transparente ao financiamento climático.
Em uma das sessões que participei, pude conhecer mais sobre o Fundo Clima, mecanismo brasileiro que foi atualizado de acordo com a Politica Nacional de Mudança do Clima. Vinculado ao Ministério do Meio Ambiente o fundo contábil tem a finalidade de garantir recursos para apoio a projetos ou estudos e financiamento de empreendimentos que tenham como objetivo a mitigação das mudanças climáticas.
"Phaseout" Combustíveis fósseis
Talvez esse tenha sido o principal ponto de debate durante as negociações da COP28. Enquanto alguns países apelaram a uma eliminação progressiva imediata do uso de combustíveis fósseis, outros defenderam a utilização das reservas restantes enquanto investem em fontes de energia renováveis. Por alguns dias esses pontos estiveram fora do texto final da COP, o que trouxe muitas críticas - de fato ampliaram as críticas desde que Dubai foi escolhida como sede para essa Conferência. Esta questão complexa destaca as prioridades e os desafios concorrentes envolvidos na transição dos combustíveis fósseis. No fim, o texto final aprovado pelos representantes de quase 200 países menciona o apoio a transição energética dos combustíveis fósseis para fontes de energia mais limpas.
Como eu disso no início, ao meu ver esse é o início do fim da "era do petróleo" especialmente nos países Árabes. Se analisarmos o foco de investimento desses últimos países, a sustentabilidade, turismo e inovação crescem de forma exponencial. Os lideres desses países entenderam que a) o recurso vai acabar e b) a transição energética é algo inevitável. Isso se traduz em altos investimentos em compromissos climáticos e práticas inovadoras. A Green Initiative da Arábia Saudita é um exemplo disso, ao buscar tornar o país uma economia verde do futuro.
Por outro lado, muitas críticas ao Brasil e sua entrada no OPEP+, grupo de países produtores de Petróleo. Segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos, o governo brasileiro concedeu no ano passado R$ 80,9 bilhões em incentivos aos combustíveis fósseis, o que antagônico ao discurso de transição energética. Nessa COP, o Brasil se comprometeu a triplicar suas capacidades para energias renováveis até 2030 - compromisso ofuscado pela adesão a OPEP+. Segundo o governo, a entrada no grupo é pra influenciar a transição energética de "dentro pra fora"; Resta acompanhar para ver a nossa jornada até sediarmos a COP30 em 2025.
Global Stocktake e a urgência na ação
O Global Stocktake também era uma grande expectativa dessa COP ao fazer uma avaliação do progresso global rumo aos objetivos do Acordo de Paris. O documento enfatizou a necessidade de medidas imediatas e significativas para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C. Os dados ainda demonstram um grande gap entre os compromissos atuais e as ações que de fato são necessárias, impulsionando que os países reforcem os seus compromissos de redução de emissões, de modo a atingir zero emissões líquidas até 2050 de acordo com a ciência.
E agora?
Além desses principais destaques, tem alguns pontos que pra mim tem um impacto interessante no dia a dia da sociedade e que demonstram bons avanços nesse processo de transição.
Adaptação e resiliência
É fato que já estamos sofrendo os impactos das mudanças climáticas, e temos observado isso nos últimos meses especialmente no Brasil. Muitos dos debates na COP28 reconheceram a necessidade dos países e regiões mais vulneráveis se adaptarem aos impactos inevitáveis das alterações climáticas, e que é necessário um esforço estrutural e financeiro para a adaptação e a construção da resiliência. Porém, alguns dizem que focar somente em adaptação e resiliência é reconhecer que falhamos na mitigação climática, e por isso os esforços devem ser compartilhados para toda a complexidade que lidar com o tema exige.
Soluções baseadas na natureza
Em uma publicação anterior sobre algumas reflexões da Climate Week 2023 em Nova York, eu tinha mencionado como o olhar para a natureza tinha ganhado palo em diferentes espaços. A COP 28 evidenciou papel das soluções baseadas na natureza na mitigação e adaptação climática, promovendo a proteção e restauração dos ecossistemas como um elemento crucial da ação climática. Ou seja, preservar e restaurar os ecossistemas e a biodiversidade é vetor essencial nesse processo.
Direitos indígenas e povos originários
Assim como durante a Assembleia Geral da ONU que aconteceu em Setembro em Nova York, em Dubai a presença dos povos indígenas e originários foi bastante marcante e cada vez mais evidenciada. Pude ver em diferentes painéis o foco na importância de respeitar os direitos das comunidades indígenas e de integrar os seus conhecimentos e perspectivas nas soluções climáticas. "O futuro é ancestral" era o que muitos diziam, porém as ações devem falar mais do que os discursos nesse contexto.
Foco na juventude
Eu pude participar de diferentes debates envolvendo o papel da juventude dentro do contexto da ação climática. Em alguns eventos, especialmente com o setor privado, o foco nas gerações futuras foi bastante evidenciado. O ponto aqui novamente, é ir além do discurso. Incluir a juventude nos debates climáticos significa ouvir as diferentes opiniões e expectativas, e ampliar vozes e perspectivas para moldar as discussões e os resultados dessa e das próximas COP.
Fazendo um balaço geral, na minha opinião foi uma boa COP. No meio do caminho, como uma montanha russa, a Conferência teve seus altos e baixos, em alguns momentos com negociações que frustraram as expectativas. Porém no fim, o saldo é positivo. No entanto, apesar de avanços significativos, ainda estamos longe do ideal. A implementação das medidas acordadas e a mobilização dos recursos necessários serão cruciais para transformar os compromissos em ações concretas.
A COP 28 evidenciou a vontade coletiva em avançar em direção a um futuro mais sustentável e que busca a transição energética. Temos o roteiro em mãos, agora é hora de arregaçar as mangas e ir para a ação.
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